segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Alimentando o corpo e a alma

Nutrição é poesia. Fazer nutrição é trabalhar com as sutilezas, as nuances, o não dito. Estas definições estão indo e vindo na minha cabeça há dias. O sentido original da alimentação como ato realizado apenas com o objetivo de nutrir as células nunca foi cumprido! A história mais conhecida sobre uma das primeiras refeições humanas envolve um complicadíssimo enredo de poder, sedução e pecado entre um casal, uma serpente, uma árvore da sabedoria e uma maçã. Este negócio já começou complicado e múltiplo. À revelia disto inúmeros leigos e profissionais insistem em abordar apenas as questões biológicas no tratamento dos distúrbios relacionados com a alimentação. Se o caso é sobrepeso, obesidade, anorexia, bulimia, vigorexia, ortorexia, não importa. Insistem em contar e cortar calorias, em calcular proteínas, carboidratos e lipídeos, em suplementar vitaminas, minerais e oligoelementos e em não enxergar com clareza todas as outras questões que em suas palavras normalmente são chamadas de fatores complementares. Nas abordagens nutricionais predominantes não importa onde o indivíduo nasceu, como foi sua infância, onde vive, com quem vive, como vive, quem ele ama, quem o ama, com o que trabalha, quanto trabalha, para quem trabalha, quando come, onde come, porque come, do que gosta, o que detesta, onde dói, o que alivia. Não importa a sutileza. Só tem valor o que é óbvio, iluminado, escancarado, relatado, quantificado. Enquanto isto os distúrbios permanecem, crescem e tomam formas inusitadas conforme vão sendo parcialmente desvendados. É obesidade? Já transmutou em anorexia. É anorexia? Já se travestiu de vigorexia. E assim o imponderável permanece sem tratamento diante dos diagnosticadores-tratadores-compulsivos. Está ansioso? Triptofano! Desejo por doces? Picolinato de cromo! Fome na hora do crepúsculo? Carboidrato de baixo índice glicêmico! Vazio que nada preenche? Fibra solúvel! Enquanto isto as lojas e farmácias vendem... Enquanto isto as bocas se abrem e comem ausência, desespero, solidão, mãe, pai, família, amor, medo, tristeza, sexo, carência, angústia. Contemporaneidades antigas. Volto então à frase retumbante: Nutrição é como poesia. É nos intervalos das estrofes que o sentido aparece. É na pausa que se pressente o som. É a mistura das cores que constrói a aquarela. É arte que explica e implica o sujeito na sua própria vida.(@viccheib)

Um comentário:

A. C disse...

Lindo texto, Vic! É pra parar, pensar, refletir e fazer com que o ato de comer não seja transformado no escape milagroso instantâneo já que imediatamente vem a culpa... E isso é muito ruim, sei bem como é! Bora viver mais leves! Beijo, querida!