quinta-feira, 18 de novembro de 2010


Amizades Acabam
Vicência Cheib 
Quando um namoro, noivado ou casamento chega ao fim, as soluções não são simples, mas pelo menos já são conhecidas por todos: continua junto e recomeça junto, continua junto e recomeça separado, separa de vez, briga, chora, recomeça.Relações amorosas acabam por motivos infinitos: incompatibilidade, traição, falta de desejo ou de amor ou de ambos, desgaste, preguiça.Ainda não havia me dado conta que uma amizade pode ter o mesmo fim.Você vai se cansando das respostas atravessadas, dos cutucões nas feridas, das raivas latentes, da inveja, da competição, das intermináveis brigas seguidas dos eternos retornos.Assim como nos casamentos, a amizade nem sempre acaba para os dois. Muitas vezes aquele cuja tolerância é mais testada entrega os pontos primeiro.Amizades podem nos ensinar muito sobre casamentos.A receita é mais ou menos a mesma.Mais leveza, doçura, riso, parceria, elogio, carinho, torcida, apoio, amor.Menos crítica, vigília, competição, aspereza, opinião, conselho, cinismo.Há, entretanto, uma questão muito diferente entre amizade e casamento.Quando a amizade acaba o que é que se faz?Separar? Separar o quê?Continuar junto? Pra quê? O motivo acabou.Na amizade não há patrimônio, filhos, família, sogro, sogra, sobrinhos.Só há ela mesma. E se ela acabou é só ir embora certo? Errado!A sensação de uma amizade que chega ao fim é de inércia. Uma parte bacana de você morre e você fica estático, confuso, chateado.Na amizade aquele que quer terminar em geral é aquele que quer continuar.A amizade acaba para a parte que ama, não para a parte que não sabe amar. Esta parte nem percebe o fim, pois, nem sabe que começou. É tão estranho este fim que nem mesmo em uma crônica consigo terminar esta experiência desumana.

domingo, 10 de outubro de 2010

Comer, Rezar, Amar e Voltar para a Vida Real
(Vicência Cheib)
Hoje fui assistir “Comer Rezar Amar”. Os atores principais reinam absolutos em sua beleza e charme, tão absolutos que não consigo me lembrar o nome dos personagens que compõem o casal, para mim eles são Júlia e Javier! Ela está deslumbrante com aquele seu sorriso lindo, fácil e sincero, ele está a representação perfeita do macho-alfa.
Hoje finalmente entendi porque o livro que deu origem à película vendeu mais de 4 milhões de exemplares em todo o mundo: A autora personifica o sonho de pelo menos metade das leitoras que estão entre 30 e 50 anos de idade. Ela consegue fazer muito mais do que mergulhar profundamente nos três verbos que dão nome ao best seller (o que já seria no mínimo impensável para a maioria das mulheres que habitam a vida real). Elizabeth (uma pesquisa rápida no google me esclareceu o seu nome) se divorcia de um marido com o qual não consegue dialogar (novidade para as mulheres que tem ou já tiveram um companheiro), termina um romance com um homem jovem, ator, sensível e sem grana (outra novidade), tira férias de um ano (cortem os pulsos, ela tem dinheiro e coragem para isto) e até esta parte da história, as coisas boas mesmo nem tinham começado (como assim?).
Neste ponto da saga ela parte para a Itália onde não só aprende o idoma e faz amigos maravilhosos (quem aprende um nova língua e faz amigos maravilhosos após os 30 anos?) como também se entope de vinho, macarrão e pizza, faz apologia contra a culpa feminina de comer e, pasmem, não engorda e compra uma calça jeans de cós baixo! (neste momento sinto que o cinema é tomado por uma onda de indignação e inveja que se espalha pelas cabeças femininas e ouço 2 ou 3 maridos roncando sonoramente).
Com as maças do rosto visivelmente mais coradas é hora de ir para um ashram na Índia onde poderá rezar, meditar, perdoar e renovar as forças. Durante a minha vida tive muitas experiências religiosas e sempre observei que toda mulher tem dentro de si, em algum lugar, uma carola rezadeira. Somos muito mais apegadas à religião do que os homens (se você está se perguntando se isto foi comprovado cientificamente, a resposta é não, se o grande público se importasse com comprovação científica, ração humana não venderia tanto).
Incrivelmente mais magra e serena é hora de ir em busca de amor, e porque não de sexo, nas praias paradisíacas de Bali. Neste lugar místico, ensolarado e azul, nossa heroína encontra um homem bonito, educado, sensível, amoroso, atencioso, rico, bem vestido e perdidamente carente que se apaixona por ela e a pede em casamento (meninas estes homens estão em Bali e não no bar da esquina).
O mais incrível de tudo, é que esta história não é uma ficção.
O tiro de misericórdia é dado quando o filme termina com uma voz em off dizendo que todas podem alcançar este nirvana, basta ir atrás dos sonhos onde quer que eles estejam (neste instante a mulher sentada atrás de mim está planejando a sua própria virada quando é acordada do sonho pelo companheiro sonolento que quer saber se o filme já acabou).
As luzes se acendem, todos se levantam e sinto um leve conformismo no ar (como já dizia Nelson Rodrigues: “A vida como ela é!” ).
Com esta história, Elizabeth se torna o sonho de consumo de pelo menos 4 milhões de mulheres em todo o mundo (simples, não?).

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Quando a arte nutre a vida
(Vicência Cheib)

Nutrição é poesia. Esta frase está pulsando na minha cabeça há dias. O sentido original da alimentação como ato realizado com o objetivo de nutrir as células nunca foi cumprido! O relato mais conhecido sobre o primeiro consumo de alimentos do homem envolve uma complicadíssima história de poder, sedução e pecado entre um casal, uma serpente, uma árvore da sabedoria e uma maçã. Já começou complicado e múltiplo.
À revelia disto, inúmeros leigos e profissionais insistem em abordar apenas as questões biológicas no tratamento dos distúrbios relacionados com a alimentação. Se o caso é obesidade, anorexia, bulimia, vigorexia, ortorexia, não importa. Insistem em contar calorias, em calcular proteínas, carboidratos e lipídeos, em suplementar vitaminas, minerais e oligoelementos e em fazer vista grossa para todas as outras questões que em suas palavras bem poderiam ser chamadas outros detalhes.
Não importa onde o indivíduo nasceu, como nasceu, onde vive, com quem vive, como vive, quem ele ama, quem o ama, com o que trabalha, quanto trabalha, para quem trabalha, quando come, onde come, porque come.
Não importa a sutileza, só o óbvio, iluminado, relatado, quantificado.
E os distúrbios permanecem e crescem e tomam formas inusitadas conforme vão sendo parcialmente desvelados. É obesidade? Já transmutou em anorexia. É anorexia? Já se travestiu de vigorexia. E assim o imponderável permanece incólume diante dos diagnosticadores-tratadores-compulsivos.
Está ansioso? é falta de triptofano!
Desejo por doces? suplementa picolinato de cromo!
Fome na hora do crepúsculo? aumenta o carboidrato de baixo índice glicêmico!
Enquanto isto as bocas se abrem e comem sexo, ausência, desespero, solidão, mãe, pai, família, amor, medo, tristeza, angústia, contemporaneidades antigas.
Volto então à frase retumbante: Nutrição é poesia. É nos intervalos das estrofes que o sentido aparece. É na pausa que se pressente o som. É a mistura das cores que constrói a aquarela. É a arte que explica e implica o sujeito na sua própria vida.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

INVASÕES BÁRBARAS
Vicência Cheib
Um filme que me comoveu muito foi “Invasões Bárbaras”.
Fiquei pensando sobre o que poderíamos considerar como uma invasão realmente bárbara em nossas vidas. A princípio pensei nas hipóteses ruins do termo e veio uma lista encabeçada pela morte. Em seguida pensei nas boas e, imbatível surgiu o amor...
Em um segundo momento, achei a velhice mais avassaladora que a morte porque apesar de serem ambas inevitáveis, pelo menos a morte é súbita. A velhice nos consome aos poucos, nos obriga a presenciar cada passo da decadência, não há nada mais bárbaro que isto, na minha opinião.
Passei então a encarar a morte como uma benção que interrompe a velhice interminável. Sempre desejamos viver bastante, mas, não contamos com o fato de que viver muito implica em envelhecer e aí, o horizonte já não parece mais tão ensolarado. Surgem nuvens tristes de incapacidades e limitações.
Enquanto se expande a mente, amofina o corpo. Pele, músculos e ossos definham e percebemos que os tempos são outros. Não é mais possível iniciar uma série de coisas e isto pode ser devastador. A mão não alcança, as pernas não sustentam, as costas doem.
Totalmente bárbaro!
Então chega a brisa suave e deliciosa que nos permite dormir e sonhar eternamente. Mãos alcançam o céu, pernas dão pulos mágicos, costas arqueiam como as de um bailarino em pleno vôo...
Esta me parece ser a face libertadora e não invasora da morte.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

De quem você gosta

Vicência Cheib
“... E pra começar, eu só vou gostar de quem gosta de mim...” Pura ilusão. Este é o refrão de uma música de Roberto e Erasmo Carlos e poderia ser também o refrão de muitas relações. Uns, em maior intensidade, outros em menor, todos já experimentaram o sabor amargo de gostar, desejar e admirar alguém que não retribui a estes sentimentos.
Muitas vezes, o motivo do encantamento é justamente a falta de reciprocidade.
Basta alguém olhar meio torto e você já fica remexido, inquieto, insano. Em segundos, aquela pessoa se torna o foco da sua atenção. Não riu da sua piada porque é mais inteligente; não gostou da sua roupa porque é mais fashion; não aprovou sua performance porque é mais descolado. De um instante para outro aquele olhar, que muitas vezes nem foi pra você, faz com que se sinta péssimo. O cabelo resseca, a pele enruga, uma espinha realça, a risada fica alta demais, os gestos desconexos. O outro é a Bela e a Fera; está fora e ao mesmo tempo dentro de você; te acolhe e te expulsa quando quer.
Você percebe este movimento, se dá conta de que isto tudo é neurótico demais e promete que vai mudar. Mesmo suspeitando que não vai cumprir...
Sem que perceba ou permita, no dia seguinte lá está você de novo, olhar atento no outro que não te olha, esperando uma aprovação ou quem sabe, o que é mais provável, uma desaprovação. Cest la vie!

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Delícias

Vicência Cheib
Hoje eu estava conversando com um amigo sobre a dificuldade de deixar de comer alimentos que achamos muito gostosos. Ele está acima do peso e dizia do prazer que sente quando saboreia um delicioso salaminho com cerveja e de quanto seria difícil viver sem esta sensação. Dizia ainda que isto dá graça e sabor à vida. Fiquei sem resposta diante de um argumento tão forte! Uma vida sem graça e sem sabor me parece a pior de todas as perspectivas!
Saí deste encontro tentando achar palavras para derrubar a teoria do meu amigo. Então comecei a pensar em quais são as coisas que considero prazerosas e que acho que dão sabor e graça à vida além dos tão apreciados chocolates, bombons, tortas, frituras, bebidas alcoólicas e afins.
Fui surpreendida por uma avalanche de delícias que me ponho a listar aqui.
Banho de mar, banho de sol, banho de chuva e de chuveiro; pés para cima, pés descalços, escalda-pés, massagem nos pés; beijo na boca, na nuca, no sovaco, atrás do joelho, na sola do pé; pôr do sol, nascer do sol, dia nublado; livro velho já lido, livro novo por ler; cheiro de mato, cheiro de café, cheiro de neném; piada, gargalhada, sorriso; abraço de mãe, abraço de pai, abraço; alegria de cachorro quando você chega em casa; dizer eu te amo, ouvir eu te amo, amar; receber um favor, fazer um favor, pedir por favor.
Também pensei em delícias alimentares.
Café na cama, café com amigos, café da tarde; mingau de maisena, de fubá e de aveia; banana assada, amassada e com mel; comida de mãe, comida de infância, comida de domingo; sopa de legumes em dia de frio, canjica em festa junina, peru no natal; brigadeiro, olho de sogra e cajuzinho no seu aniversário.
Há quanto tempo você não desfruta destes prazeres?
Se você consegue viver sem, ou com muito pouco de tudo isto, e não está achando a vida sem graça e sem sabor, será que um salaminho e uma cerveja vão fazer tanta falta assim?
Será que você não está supervalorizando seus hábitos alimentares inadequados em detrimento de outras delícias da vida?
Fiquei com vontade de fazer estas perguntas ao meu amigo, mas ele já tinha ido embora..

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

CASA DA INFÂNCIA Vicência Cheib
Um amigo me disse que a casa em que moramos na infância é a verdadeira casa da gente. Ele leu sobre esta questão em algum dos milhares de livros que já leu.
Acho que este pensamento não é novidade para muitos.
Todos os sons, cheiros e sabores da infância ficam marcados em nós de uma forma indelével. Passam-se anos e um assovio que se parece com o de um tio nos remete a lugares e a idades que nem sabemos que já tivemos.
A casa como primeiro espaço, como lugar seguro e próprio, nos dá toda a sustentação para o resto da vida, ou não.
Depois que conversei sobre este tema com o meu amigo fiquei elucubrando e pensei sobre o que pode nos acontecer quando esta tão idílica casa da infância é assombrada. Para cada um de nós ela sempre terá algum, pelo menos um, lugar de assombro.
Os mesmos sinais que para uns são a evocação plena de prazeres, para outros podem ser a ressurreição de lembranças dolorosas e violentas. Não me refiro aqui a violências físicas, estas são óbvias demais. Penso naquelas pequenas agressões morais, psíquicas, intelectuais a que somos submetidos por pais, mães, primos, avós. Personagens insuspeitos, companhias inquestionáveis no quesito segurança e que são capazes de estragos irreparáveis na nossa alma.
Alguns podem pensar que estes pequenos confrontos são indispensáveis no nosso processo de fortalecimento e preparo para os grandes confrontos inevitáveis da vida. Mas, o que muitos não sabem é que a forma como estes embates se dão podem arrasar para sempre possibilidades e perspectivas. Podem nos tornar aleijados eternos, incapazes de lidar com algumas emoções e desafios.
O que dizer de pessoas livres e corajosas, que todos a princípio provavelmente somos, sujeitas à influência de outras preconceituosas e tolhedoras, ou de alguém inteligente e perspicaz junto a outrem obtuso e tosco. É o fim ou o começo de uma saga de dúvidas e questionamentos estéreis a respeito de uma personalidade que surge desconhecida e angustiada.
Há uma frase de Lacan que diz que “todo ser humano, para que sobreviva, é necessário que em algum momento, ele seja adotado”. Fico imaginando que este que nos adota seja ele pai, mãe, irmão, babá, avó, é quem nos salva das marcas dos confrontos inevitáveis. É neste que nos adota que vemos a confirmação de que estamos certos, de que está tudo bem, de que podemos ser, ainda que diferentes, autênticos.
Dieta Não
Vicência Cheib
“Desde que entrei na faculdade percebi que estava diante de um calvário que não teria fim. Passei no vestibular para nutrição e no dia seguinte já começaram os pedidos de dieta. Tios, primas, amigos, manicure da mãe, porteiro da escola, todos queriam a mesma coisa, uma DIETA. Já nesta época desconfiei que dieta não era boa coisa, pois, todo mundo queria, mas, queria de graça. Afinal de contas tinha tantas nutricionistas já formadas e eles queriam que euzinha fizesse a danada, porquê? Porque se era estudante era atendimento gratuito.
Os anos se passaram, eu me formei e continuou a celeuma, todo mundo querendo consulta na faixa e eu louca para ganhar um dinheirinho. Se eu negava os pedidos, ganhava desafetos. Se eu prometia atender, ganhava perseguidores a me perguntar, e aí? tá pronta a minha dieta? Se eu atendia, ganhava justificativas, semana que vem vou começar viu?...esta semana não deu..
Foi então que tive a idéia de solicitar aos ávidos por um plano alimentar que anotassem por quinze dias tudo que haviam comido, o horário, o local e a quantidade. Este procedimento se chama registro alimentar e é utilizado para que se conheça o hábito alimentar do paciente. Acontece que o normal é anotar por três dias, no máximo! E normalmente ninguém faz. Com 15 dias eu adquiria um trunfo contra os famintos de orientações nutricionais, enquanto não estiver pronto o relatório, não tem dieta. Acabou meu sofrimento. Agora meus algozes fogem de mim e eu atravesso a rua atrás deles para perguntar, e aí tá anotando tudo direitinho? Assim que tiver pronto me liga!!!”