quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Quando a arte nutre a vida
(Vicência Cheib)

Nutrição é poesia. Esta frase está pulsando na minha cabeça há dias. O sentido original da alimentação como ato realizado com o objetivo de nutrir as células nunca foi cumprido! O relato mais conhecido sobre o primeiro consumo de alimentos do homem envolve uma complicadíssima história de poder, sedução e pecado entre um casal, uma serpente, uma árvore da sabedoria e uma maçã. Já começou complicado e múltiplo.
À revelia disto, inúmeros leigos e profissionais insistem em abordar apenas as questões biológicas no tratamento dos distúrbios relacionados com a alimentação. Se o caso é obesidade, anorexia, bulimia, vigorexia, ortorexia, não importa. Insistem em contar calorias, em calcular proteínas, carboidratos e lipídeos, em suplementar vitaminas, minerais e oligoelementos e em fazer vista grossa para todas as outras questões que em suas palavras bem poderiam ser chamadas outros detalhes.
Não importa onde o indivíduo nasceu, como nasceu, onde vive, com quem vive, como vive, quem ele ama, quem o ama, com o que trabalha, quanto trabalha, para quem trabalha, quando come, onde come, porque come.
Não importa a sutileza, só o óbvio, iluminado, relatado, quantificado.
E os distúrbios permanecem e crescem e tomam formas inusitadas conforme vão sendo parcialmente desvelados. É obesidade? Já transmutou em anorexia. É anorexia? Já se travestiu de vigorexia. E assim o imponderável permanece incólume diante dos diagnosticadores-tratadores-compulsivos.
Está ansioso? é falta de triptofano!
Desejo por doces? suplementa picolinato de cromo!
Fome na hora do crepúsculo? aumenta o carboidrato de baixo índice glicêmico!
Enquanto isto as bocas se abrem e comem sexo, ausência, desespero, solidão, mãe, pai, família, amor, medo, tristeza, angústia, contemporaneidades antigas.
Volto então à frase retumbante: Nutrição é poesia. É nos intervalos das estrofes que o sentido aparece. É na pausa que se pressente o som. É a mistura das cores que constrói a aquarela. É a arte que explica e implica o sujeito na sua própria vida.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

INVASÕES BÁRBARAS
Vicência Cheib
Um filme que me comoveu muito foi “Invasões Bárbaras”.
Fiquei pensando sobre o que poderíamos considerar como uma invasão realmente bárbara em nossas vidas. A princípio pensei nas hipóteses ruins do termo e veio uma lista encabeçada pela morte. Em seguida pensei nas boas e, imbatível surgiu o amor...
Em um segundo momento, achei a velhice mais avassaladora que a morte porque apesar de serem ambas inevitáveis, pelo menos a morte é súbita. A velhice nos consome aos poucos, nos obriga a presenciar cada passo da decadência, não há nada mais bárbaro que isto, na minha opinião.
Passei então a encarar a morte como uma benção que interrompe a velhice interminável. Sempre desejamos viver bastante, mas, não contamos com o fato de que viver muito implica em envelhecer e aí, o horizonte já não parece mais tão ensolarado. Surgem nuvens tristes de incapacidades e limitações.
Enquanto se expande a mente, amofina o corpo. Pele, músculos e ossos definham e percebemos que os tempos são outros. Não é mais possível iniciar uma série de coisas e isto pode ser devastador. A mão não alcança, as pernas não sustentam, as costas doem.
Totalmente bárbaro!
Então chega a brisa suave e deliciosa que nos permite dormir e sonhar eternamente. Mãos alcançam o céu, pernas dão pulos mágicos, costas arqueiam como as de um bailarino em pleno vôo...
Esta me parece ser a face libertadora e não invasora da morte.