quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

CASA DA INFÂNCIA Vicência Cheib
Um amigo me disse que a casa em que moramos na infância é a verdadeira casa da gente. Ele leu sobre esta questão em algum dos milhares de livros que já leu.
Acho que este pensamento não é novidade para muitos.
Todos os sons, cheiros e sabores da infância ficam marcados em nós de uma forma indelével. Passam-se anos e um assovio que se parece com o de um tio nos remete a lugares e a idades que nem sabemos que já tivemos.
A casa como primeiro espaço, como lugar seguro e próprio, nos dá toda a sustentação para o resto da vida, ou não.
Depois que conversei sobre este tema com o meu amigo fiquei elucubrando e pensei sobre o que pode nos acontecer quando esta tão idílica casa da infância é assombrada. Para cada um de nós ela sempre terá algum, pelo menos um, lugar de assombro.
Os mesmos sinais que para uns são a evocação plena de prazeres, para outros podem ser a ressurreição de lembranças dolorosas e violentas. Não me refiro aqui a violências físicas, estas são óbvias demais. Penso naquelas pequenas agressões morais, psíquicas, intelectuais a que somos submetidos por pais, mães, primos, avós. Personagens insuspeitos, companhias inquestionáveis no quesito segurança e que são capazes de estragos irreparáveis na nossa alma.
Alguns podem pensar que estes pequenos confrontos são indispensáveis no nosso processo de fortalecimento e preparo para os grandes confrontos inevitáveis da vida. Mas, o que muitos não sabem é que a forma como estes embates se dão podem arrasar para sempre possibilidades e perspectivas. Podem nos tornar aleijados eternos, incapazes de lidar com algumas emoções e desafios.
O que dizer de pessoas livres e corajosas, que todos a princípio provavelmente somos, sujeitas à influência de outras preconceituosas e tolhedoras, ou de alguém inteligente e perspicaz junto a outrem obtuso e tosco. É o fim ou o começo de uma saga de dúvidas e questionamentos estéreis a respeito de uma personalidade que surge desconhecida e angustiada.
Há uma frase de Lacan que diz que “todo ser humano, para que sobreviva, é necessário que em algum momento, ele seja adotado”. Fico imaginando que este que nos adota seja ele pai, mãe, irmão, babá, avó, é quem nos salva das marcas dos confrontos inevitáveis. É neste que nos adota que vemos a confirmação de que estamos certos, de que está tudo bem, de que podemos ser, ainda que diferentes, autênticos.
Dieta Não
Vicência Cheib
“Desde que entrei na faculdade percebi que estava diante de um calvário que não teria fim. Passei no vestibular para nutrição e no dia seguinte já começaram os pedidos de dieta. Tios, primas, amigos, manicure da mãe, porteiro da escola, todos queriam a mesma coisa, uma DIETA. Já nesta época desconfiei que dieta não era boa coisa, pois, todo mundo queria, mas, queria de graça. Afinal de contas tinha tantas nutricionistas já formadas e eles queriam que euzinha fizesse a danada, porquê? Porque se era estudante era atendimento gratuito.
Os anos se passaram, eu me formei e continuou a celeuma, todo mundo querendo consulta na faixa e eu louca para ganhar um dinheirinho. Se eu negava os pedidos, ganhava desafetos. Se eu prometia atender, ganhava perseguidores a me perguntar, e aí? tá pronta a minha dieta? Se eu atendia, ganhava justificativas, semana que vem vou começar viu?...esta semana não deu..
Foi então que tive a idéia de solicitar aos ávidos por um plano alimentar que anotassem por quinze dias tudo que haviam comido, o horário, o local e a quantidade. Este procedimento se chama registro alimentar e é utilizado para que se conheça o hábito alimentar do paciente. Acontece que o normal é anotar por três dias, no máximo! E normalmente ninguém faz. Com 15 dias eu adquiria um trunfo contra os famintos de orientações nutricionais, enquanto não estiver pronto o relatório, não tem dieta. Acabou meu sofrimento. Agora meus algozes fogem de mim e eu atravesso a rua atrás deles para perguntar, e aí tá anotando tudo direitinho? Assim que tiver pronto me liga!!!”