Essa é uma pergunta recorrente nos consultórios de
profissionais que trabalham com nutrição comportamental. Acredito que a
promoção que fazemos sobre aceitação corporal, saúde em qualquer tamanho, ausência
de prescrição de dietas e respeito aos sinais de fome e saciedade, tenha levado
as pessoas ao entendimento equivocado de que nessa abordagem é proibido
(inadequado, errado ou não recomendado) querer emagrecer.
Retorno então à pergunta inicial, é errado querer emagrecer?
Não, não é! O que
discutimos no contexto da nutrição comportamental são alguns pontos
fundamentais do processo de alcançar esse emagrecimento. Como o indivíduo vai
emagrecer é o ponto central dessa discussão.
O desejo de pesar menos quando se tem peso em excesso é
muito genuíno. Motivos que vão da saúde à estética alimentam (sem trocadilho)
um mercado que movimenta milhões de pessoas e de dólares. Fomos sendo
convencidos de maneira insidiosa e lenta de que somos incapazes de realizar
sozinhos uma ação que é da ordem da sobrevivência, comer. Quanto mais
incompetentes nos sentimos na hora de definir o que, quando e quanto vamos
comer, mais competentes vão se tornando os profissionais que podem nos ensinar,
as clínicas que podem nos tratar, os procedimentos que podem nos transformar,
os remédios que podem nos curar, as cirurgias que podem nos consertar. E nós
acreditamos, e compramos, e emagrecemos, e ficamos felizes, e a vida segue, e
os altos e baixos acontecem, e voltamos a engordar, e acreditar, e comprar, e emagrecer,
e... Nessa ciranda que não tem fim, ano após ano apostamos todas as fichas em
uma velha-nova estratégia com promessas miraculosas, pois, as velhas
estratégias estão sempre se travestindo de novas e nós já cansados de tanto
rodar na ciranda, nem gastamos tempo para entender um pouco mais do que se
trata, caímos vencidos na primeira velha-nova-cilada-promessa-dieta que encontramos.
A cada tentativa, mais peso recuperado, mais lento o
metabolismo basal, mais baixa a auto estima, mais alta a sensação de
incapacidade, mais profunda a depressão, mais intensa a frustração, mais ódio
ao corpo, mais vulneráveis a novas promessas. Enquanto isso, do outro lado do
mercado, mais diversificados produtos, impagáveis procedimentos, inalcançáveis
padrões, restritas dietas, invasivas cirurgias, elaborados e fantasiosos discursos
dos profissionais, dolorosas práticas esportivas, milhões para o bolso de
poucos às custas da dor e da insatisfação eterna e incurável de muitos.
É disso que estamos falando quando propomos: Vamos olhar para
essa questão de uma outra perspectiva? Vamos fazer as perguntas que nunca são
feitas? Vamos entender o que está acontecendo com o peso e com a saúde das
pessoas que entram e saem de uma dieta a cada estação do ano? Vamos esclarecer
quem é o fracasso desta relação, é você ou é a dieta?
Não se trata de não poder emagrecer, se trata muitas vezes
de não precisar! E quando realmente precisamos, se trata de saber que tem muita
coisa além do que você vê no instagram e de saber que tem outras formas de
lidar com o seu peso.
Por que você acredita em alguém que te diz que você pode
emagrecer 10 kg em 1 mês com saúde e não acredita em alguém que te diz que você
pode confiar no seu corpo para lhe dizer que horas ele tem fome? Porque te
convenceram disso!
Estamos falando de resgate da sua autonomia, do seu prazer,
da sua liberdade, da sua paz. Estamos falando de trazer de volta para o seu
comando o que nunca devia ter saído dele. Estamos falando de assumir que existe
outro caminho.
Não se trata de mais uma verdade inquestionável, de uma teoria
indiscutível, de uma cura definitiva. Se
trata de uma opção sadia, sustentável, duradoura.
É errado querer emagrecer? Não, errado é se convencer de que
você não é capaz de emagrecer, errado é achar que você só será feliz quando
emagrecer. E é isso que dietas fazem, te convencem que você não é capaz, quando
na verdade elas é que não são capazes de fazer o que prometem, pois, elas contrariam
a natureza humana que consiste em comer quando se tem fome e parar quando se
está saciado; ignoram o desejo, o paladar, a satisfação, o prazer; atribuem ao
alimento um poder que ele não tem; excluem do processo alimentar o personagem
principal, o sujeito.
Olhar para si mesmo, entender os seus motivos, se
responsabilizar pelos seus atos, desligar o piloto automático, admirar o seu
corpo e tudo que ele é capaz de fazer independente de quantos quilos ele pesa,
afinar a sua bússola interna enferrujada pelo desuso, colocar as chuteiras e
entrar no jogo, sair da margem, desligar o modo espera e ativar o modo vivendo.
Não é estímulo à obesidade, é estímulo à independência de medicamentos, de
cirurgias reformadoras, de dietas rígidas, de procedimentos estéticos, de
massagens modeladoras, de profissionais controladores.
É errado querer emagrecer? Não, errado é ser um refém
consentido do sequestro das suas vontades e peculiaridades.